Mais um encontro com o delegado Soares da Delegacia Especializada em Crimes do Humorismo.
Eu estava assistindo ao show de stand up. Foi chocante. Assim que subiu ao palco , o humorista começou a passar mal. Algumas pessoas ainda riram ,achando que mais uma presepada vinha por ali, mas quando o cara desabou no chão, estrebuchando, todos perceberam que a graça tinha acabado. O agente da Delegacia de Humor, delegado Soares, não demorou a chegar. O policial com barba por fazer e cara de sono, jeito de quem não dormia há vários dias, logo me abordou:
– Você é humorista?
– Sou, mas estava só assistindo…
– Assistindo? Pra que? Estava atrás de piadas novas para roubar?
– Eu não roubo piadas…
– Eu sei… é o que todos vocês humoristas dizem… isso cansa , sabia? E antes do show , você estava onde?
– Estava em casa, posso provar… cheguei em cima da hora do show…
– Ok, você parece inocente… mas não fica tranqüilo não que eu tô de olho!
– Por que esse tratamento, Você tem algo contra o humor?
– Não contra o humor, contra os humoristas. Bons tempos da vida tranqüila na delegacia de roubos e furtos. Casos de assalto, roubo de carga, só moleza… depois que fui transferido para a delegacia de crimes do humor, a vida ficou muito dura… perdi totalmente o humor…
– Não acredito, lidar com humoristas todo o tempo, deve ser muito bom…
– Bom pra quem? Uns acusando os outros de roubarem suas piadas, o tempo todo, e a polícia do humor tendo que intervir em cada caso de roubo de piada, assalto de twittes engraçados, textos copiados, nenhum escrúpulo! E agora esse assassinato…
– Que assassinato? O cara passou mal no palco…
– Será? – o policial, cético, partiu para conversar com os humoristas que se apresentavam naquele show.
O primeiro depoimento foi o de um comediante gordinho que em seu show se dedicava a fazer piadas sobre a sua gordura.
– Você conhecia o morto?
– Conhecia há pouco tempo, ele começou a fazer shows aqui há um mês.
– E o show dele era bom?
– Pra falar a verdade , não muito…
– Ele roubava piadas suas?
– Não… ele era magro, eu trabalho mais com piadas de gordo.
O segundo interrogatório foi com um humorista que fazia mais o gênero nerd.
– Ele roubou piadas suas?
– Não.
– Você roubou piadas dele?
– De jeito nenhum! Pra falar a verdade ele era meio ruinzinho…
– O público vaiava?
– Não, acho que não, na verdade…
– Na verdade o quê?
– Bom… na verdade, as pessoas gostavam… quer dizer algumas meninas… elas achavam ele bonito…
Mais um interrogatório, outro comediante , esse feio.
– Ele era bonito?
– É… as meninas achavam.
– Elas gostavam do show dele?
– Não sei … eu só ouvia elas gritando “lindo” pra ele durante os shows…
– Soube que vocês pensaram em tirar o morto do show?
– È… nós pensamos…
– E por que não tiraram?
– Chegamos a anunciar isso , mas houve reclamações…
– Quem?
– Algumas… – o sujeito titubeou, mas diante do olhar duro do policial , completou a frase – algumas meninas…
O agente encerrou os interrogatórios. Fui ao seu encontro e perguntei, irônico:
– E aí, mais um caso de roubo de piadas?
– Você ta brincando não é? Mas a coisa é séria! Caso complicado, mas acho que já sei o que aconteceu.
Pois é, dois dias depois soube do desfecho do caso. O detetive Soares tinha razão, o caso era sério e complicado. O humorista não foi vítima de um mal súbito no palco. Ele foi envenenado. Assim que acabou os depoimentos , o detetive Soares, desconfiado, mandou revirar o camarim dos humoristas. Uma empada encontrada no lixo revelou a artimanha: o humorista morreu ao ingerir a empadinha, que estava recheada com galinha e veneno de rato. Uma prensa nos stand ups e logo eles confessaram: acertou quem disse que foi o gordinho que ofereceu a empadinha, mas quem apostou nos outros dois nerds também ganhou. Os três se associaram para acabar com o humorista bonitão. Humoristas profissionais , mas assassinos amadores. Não contavam com a experiência do delegado Soares, titular da Delegacia Especializada em Crimes do Humorismo. Soares suspeitou desde o primeiro minuto, e os depoimentos só vieram a confirmar. Foi o que ele me explicou quando voltei a encontrá-lo:
– Você acha mesmo que eles mataram o sujeito só porque era bonito? – perguntei.
– Claro! O humorismo está ficando muito perigoso, meu filho. Imagina a cena: as mulheres iam ao show e não olhavam mais para os outros stand ups, nem ligavam mais para as piadas, só tinham olhos pro bonitão, e nem importava o que ele falasse… Os humoristas gordinhos, nerds, feios, não puderam suportar. Por que um cara bonito estava fazendo show de stand up? Por que não foi ser galã ou modelo? Um sujeito sem graça deixando as meninas loucas num show de humor por conta da sua beleza? Estava pedindo pra morrer!
Lol, bem tramada a estória!