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MEMÓRIAS – O ALMANAQUE DA CASSETA POPULAR

O jornalzinho que chamamos de Casseta Popular e que lançamos na Faculdade de Engenharia era bem tosco, mas vendeu direitinho. Assim, eu, Helio e Marcelo resolvemos que valia a pena dar uma melhorada na qualidade do produto. O segundo número não foi rodado no mimeógrafo a álcool da mãe do Helio, mas num mimeógrafo mais parrudo. Eram quatro ou cinco folhas impressas e grampeadas. Ainda bem vagabundo, mas um pouco melhor. A gente vendia de mão em mão e aproveitava a desculpa de estar vendendo um jornalzinho de humor para ir até a Faculdade de Arquitetura , onde o público feminino era maior. Não me lembro se vendemos muitos exemplares para as arquitetas, acho que não, mas a ida até lá era uma aventura interessante. O segundo número vendeu bem também, o jornal era diferente, brincava com as questões da universidade, do movimento estudantil que voltava com muito intensidade naquele momento em que a ditadura estava em seus estertores.

Ainda fizemos mais dois números mimeografados e então partimos para o formato tabloide. Agora a Casseta Popular já podia ser chamada de jornal de verdade. Continuamos vendendo mambembamente, de mão em mão e usando o jornal como ingresso para lugares maneiros ou convites para conversar com pessoas legais. E para fazer o tabloide, que exigia mais material, concluímos que precisávamos chamar mais gente. E chamamos o Claudio Manoel, o Bussunda e o Roni Bala para escrever com a gente.
O Claudio e o Bussunda tinham estudado com o Marcelo no Aplicação. Claudio era da mesma sala do Marcelo, o Bussunda era mais novo, mas já era uma figura. Os dois e mais o Roni tinham frequentado junto com o Marcelo a mesma colônia de férias, a Kinderland. O Marcelo nos apresentou aos três. Logo eu e Helio ficamos amigos deles. Quando pensamos em chamar mais gente, a escolha foi muito fácil, Bussunda, Claudio e Roni já eram nossos amigos, já éramos uma turma. Eles entraram para a redação como se fossem antigos, ficaram a vontade e a redação naturalmente passou a ser nós seis.
Lançamos três números no formato tabloide e chegamos a conclusão que tínhamos que fazer uma revista. Por quê? Não lembro bem, mas talvez o fato de o Planeta Diário já existir e ser no formato tabloide, nos fez pensar em fazer algo diferente. Nós colaborávamos com Planeta Diário desde o primeiro número e batemos um papo com eles, que nos apresentaram para o Jardel, dono da editora Núcleo-3 , que editava o jornal. O Jardel foi muito gente boa, ou muito maluco, e topou publicar a revista.
O primeiro número da revista Almanaque da Casseta popular saiu em 1986, custava 12 cruzados (acho que era essa a moeda) e tinha quarenta e oito páginas. Na capa a foto de um peru (animal) de gravata borboleta. Era apresentada pelo Planeta Diário e trazia a frase: A imprensa marrom agora em quatro cores.
Algumas das chamadas de capa:
Medicina: a cura da psicanálise.
Impotência: como entrar dobrado.
Sexo e asa delta: Pepê pousa no Pepino.
Nenhuma dessas matérias existia no corpo da revista.
A partir daí, a revista deveria ser mensal, mas a gente sempre atrasava, então dizia que a periodicidade não era mensal, mas menstrual, porque as vezes não vinha.
Esse foi o início de verdade da Casseta Popular.

O COLAPSO DAS LOUÇAS SUJAS

Desde que começou a pandemia eu tenho trabalhado em home-office. E o principal trabalho que tenho feito é, sem nenhuma dúvida, lavar louças. Pelo menos é o que me toma mais tempo.
No desenvolvimento desse job de “Doing the dishes” eu comecei a estudar o comportamento das louças sujas e concluí que elas funcionam da mesma maneira que um vírus. Quando as louças sujas encontram um ambiente acolhedor como a pia da cozinha, elas começam a se multiplicar com bastante rapidez. Se a sua disseminação não for tratada, ou seja, se elas não forem lavadas, em pouco minutos elas já tomaram toda a cuba da pia e seus arredores, e continuam chegando e chegando, tomando toda a cozinha. Segundo o Imperial College de Londres, quando a taxa de disseminação de louças sujas ultrapassa o valor de 1, a pia entra em colapso, ocasionando sérios problemas na casa, o principal deles sendo a briga do casal, o que aumenta muito o índice de separações.
A principal forma de combater a disseminação de louças sujas é não deixá-las acumular, usar esponjas e lavá-las sempre com água e detergente.

MEMÓRIAS – ENTRE A ATLÉTICA E O CENTRO ACADÊMICO

Eu estudei na UFRJ, na ilha do Fundão, que era longe pra cacete. E era difícil de chegar, não tinha ônibus. Na verdade, até tinha, mas eram poucos os que entravam na Ilha do Fundão e que portanto estavam sempre lotados. O jeito era saltar na avenida Brasil e pegar uma carona, o que era comum. Ou então ir de carro. Eu tinha um fusca e logo conheci alguns outros alunos que moravam perto de mim. A gente revezava a carona, cada dia ia no carro de um. Mas esses caras eram meus amigos de carona. Os caras que eu conversava mesmo, que encontrava entre as aulas, que almoçava junto, e que logo comecei a encontrar fora da faculdade foram outros: o Hélio e o Marcelo. O Hélio era da minha sala , a turma C, o único negro da turma. Não me lembro quando nós começamos a conversar, mas foi logo no início. O Marcelo passou para o turno da tarde, eram 3 turmas de manhã e 3 a tarde. Não sei que artimanhas o Marcelo armou, mas acabou indo para a turma C.
Fora das salas de aula havia uma divisão clara na Engenharia entre a Atlética e o Centro Acadêmico. A Atlética era onde se jogava totó e sinuca, modalidades nem um pouco atléticas, mas que faziam bem mais sucesso do que as aulas de cálculo diferencial e integral. A galera vivia ali, muita gente virou craque em totó, alguns nem saiam dali. Mas eu, Hélio e Marcelo não éramos frequentadores da Atlética, a nossa parada era o movimento estudantil.
Naquele ano 1978, o movimento estudantil estava retornando a ativa. Ainda estávamos no governo Figueiredo, mas o general não queria mais porra nenhuma, só queria tratar de seus cavalos. O Centro Acadêmico de Engenharia foi reaberto no ano anterior e estava a pleno vapor. É claro que a galera do CA veio receber os calouros, e tratar de chamar quem quisesse participar do movimento estudantil para o seu lado. E nós 3 queríamos! Ingênuo, eu não sabia muito bem o que estava por trás daquela turma gente boa do centro acadêmico, não sabia que a Engenharia estava dividida entre o Partidão e o MR-8, que eram essas duas facções que militavam por ali e que estavam brigando entre si pela gente. A galera do Partidão estava a frente do CA, era mais gente boa e acabou nos ganhando. Eu, Hélio e Marcelo logo passamos a fazer parte dessa turma.
O Marcelo já tinha feito movimento estudantil no Aplicação e conhecia um pouco desse ambiente. Acho que o Helio andou vendo alguma coisa com amigos do São Bento, mas eu era um neófito completo, não sabia de nada e estava achando muito legal participar daquele movimento, escutar aquelas discussões. Logo passamos a entender tudo sobre política, a apoiar a frente democrática do partidão contra a frente popular do MR-8, éramos parte do que o pessoal do partido chamava de círculo. E 1978 prometia: era o momento de reabrir o DCE e a política estudantil assim saia do âmbito da Escola de Engenharia para a universidade inteira. Acompanhamos os nossos companheiros do CA em várias outras faculdades, na Praia Vermelha onde ficava a Economia e a Comunicação, no IFCS onde ficava a turma de humanas, na Medicina onde conhecemos os caras que são nossos médicos até hoje, e na Arquitetura, onde ficava o sonho da namorada linda própria.
Não sei em que momento, entre as aulas de cálculo e física, o centro acadêmico e a campanha pelo DCE que nós 3 encontramos tempo para decidir escrever um jornalzinho. A ideia era fazer um jornal de humor que brincasse com tudo aquilo que estávamos presenciando na universidade: o movimento estudantil, a vida de calouro, as aulas de engenharia, por aí. O humor foi uma coisa que nos uniu desde as primeiras conversas. Nós três éramos fãs do Monty Phyton, leitores do Pasquim, gostávamos de tudo de humor, desde Woody Allen até Costinha. A ideia de fazer um jornalzinho veio daí. Escrevemos o primeiro exemplar que tinha um mote político: Por mais mulheres na engenharia! O jornal foi feito da maneira mais tosca possível, rodado num mimeografo a álcool que a mãe do Helio, que era professora, tinha em casa para rodar provas. Se você não sabe o que é um mimeografo a álcool, procura no Google. O que eu posso dizer é que a impressão sai na cor roxa. E borrada. O resultado é bem tosco. Então juntamos uns 100 exemplares, nem sei se foi tudo isso, daqueles jornais que eram umas 4 folhas grampeadas , impressas em tinta roxa e borrada e saímos vendendo de mão em mão. O nome do jornal , depois de muita discussão acabou sendo Casseta Popular, uma brincadeira com Gazeta, nome de muitos jornais. Não me lembro de quem foi a ideia, mas acho que foi do Marcelo. O jornalzinho, mesmo tosco, foi um sucesso. Se é que vender 50 a 60 exemplares pode ser considerado sucesso.

NO LIMITE

Isolados num país da América do Sul, sem poder viajar para lugar nenhum do mundo, os 215 milhões de participantes que estão NO LIMITE, vivem situações que exigem coragem e resistência física ao máximo. Com recursos limitados e um presidente negacionista, eles têm que enfrentar campanhas por cloroquina e tratamentos precoces que não funcionam, um presidente que fala mal da China quando o país é dependente dos insumos chineses para as vacinas, vários ministros da Saúde que morrem de medo do presidente e o principal: Uma pandemia sem controle!
Os brasileiros, que já estão NO LIMITE vão fazer de tudo para conseguirem se vacinar e sair dessa situação. Qualquer coisa! Até comer olho de cabra!

ENFIA ESSA BANDEIRA…

Se já é difícil entender o que leva uma pessoa a ser juiz de futebol, imagina o cara que está lá só para auxiliá-lo? O bandeirinha é aquele sujeito que entra em campo com uma bandeirinha na mão para fazer cumprir a lei mais difícil de se fiscalizar do mundo: a lei do impedimento.
Para conseguir acertar todas as marcações de impedimento , o bandeirinha precisaria ter , além da bandeira, um olho biônico, que conseguisse ver dois pontos ao mesmo tempo, o que os humanos ainda não conseguem. Nunca na história um bandeirinha acertou 100% de suas marcações. Quando ele acerta metade das marcações de impedimento em um jogo, já dá para se considerar que ele fez um bom trabalho. Já pensou, o engenheiro acertando só metade das obras? O médico acertando metade das operações?
E agora, com o surgimento do VAR, a situação do bandeirinha piorou. Até os 50% que ele achava que tinha acertado ficaram sub-judice, esperando a opinião do VAR.
O bandeirinha tem que decidir em uma fração de segundo se, ao traçar uma linha imaginária paralela a linha de fundo, o corpo do atacante, ou apenas um pedaço da perna ou um fio de cabelo ou o pênis ereto estava dois centímetros na frente do corpo de um defensor ou não. Já o VAR tem vídeo tape, cinco ângulos diferentes, computador congelando a imagem e traçando um monte de linhas, linha azul, linha vermelha, linha amarela e o escambau. E só então, depois de mais de cinco minutos, o VAR dá o seu veredito: O bandeirinha errou!
E então a galera grita:
– Tá vendo? Bandeirinha burro! Ladrão! Comprado! Mercenário! Enfia essa bandeira no rabo!
E aqui reside outra questão complicada para o coitado do bandeira: quando a torcida irritada com o árbitro, manda ele enfiar algo numa área recôndita de sua anatomia, é o apito que ela quer que ele use. Já o bandeirinha não, ele tem que encarar a bandeira, que convenhamos, deve doer bem mais que um pequeno apito.

MEMÓRIAS – O ASCENSORISTA DA PUC

1977 foi o ano do meu vestibular. Naquela época era assim que se chamava o ENEM. No vestibular a gente tinha que escolher as opções de faculdade antes de fazer a prova. Eu passei o ano todo na dúvida, entre economia e engenharia, na verdade eu dizia que estava na dúvida, mas a pressão lá em casa para fazer engenharia era enorme, sabe como é, naquele tempo essa ideia de que economista ficava rico ainda não existia, aliás, acho que nem o mercado financeiro existia ainda. Então, me inscrevi para engenharia.

Então veio a outra questão: As duas melhores faculdades de engenharia eram a UFRJ e a PUC. A UFRJ participava do Cesgranrio, o vestibular unificado e a PUC havia saído do Cesgranrio naquele ano e a prova seria separada. Fiz as duas provas e, bom aluno que era, passei nas duas. Então tinha que decidir: PUC ou UFRJ.
Para impressionar os calouros e conseguir os melhores alunos, a PUC realizou uma visita as suas instalações. Mostravam como a universidade era organizada, com instalações maneiras e principalmente, como era bem equipada. O ponto alto da visita era o acelerador de partículas. Nem eu, nem os outros calouros, sabíamos para que servia um acelerador de partículas, mas que era um troço que impressionava, era. Principalmente para um bando de nerds como os que me acompanhavam naquela visita. Vimos o tal acelerador de partículas que ajudou bastante a acelerar a minha decisão de ir para a PUC, então nos disseram que o próximo passo era visitar as salas de aula. E foi aí que os professores da PUC erraram. Se a visita tivesse terminado no maravilhoso acelerador de partículas, talvez eu tivesse optado pela PUC (o acelerador de partículas nem era um equipamento tão impressionante assim, mas aquele nome pomposo era um marketing avassalador)
Então fomos pegar o elevador para visitar as salas e foi aí que um personagem fundamental apareceu: o ascensorista. Para quem não sabe, ascensorista era uma espécie de piloto de elevador, profissão que acho que nem existe mais.
Éramos uns 4 ou 5 nerds aguardando o elevador. Então a porta abriu, nós entramos e o ascensorista falou:
– Ih, lá vem o pessoal dos 4 mil por mês!
A frase do ascensorista me calou fundo. Não seria eu que pagaria 4 mil cruzeiros (a moeda da época) por mês, seria o meu pai. E se eu já estava chateado por depender do meu pai para tudo, então não era uma boa continuar dependendo do velho para pagar a minha faculdade. E a UFRJ era gratuita. Então a visita que era para me convencer a estudar na PUC, me convenceu a ir para a UFRJ.
Naquela mesmo dia, comentei com um amigo sobre o assunto e ele deu a cartada final:
– Acho que a UFRJ também tem um acelerador de partículas.
Decidi me matricular na UFRJ.
Não fosse o ascensorista e eu talvez tivesse estudado na PUC. Assim, não conheceria o Helio e o Marcelo, nunca teria feito uma revista chamada Casseta Popular e o Casseta & Planeta talvez não existisse.

OS NEGACIOMINIONS

Esses caras que acham que tudo é o contrário do que o mundo acha, já podem saber de mais uma coisa: eles têm um nome, são os Negaciominions.
Aquecimento Global? Mais de 95% dos cientistas da área de climatologia diz que o aquecimento global está aumentando e é perigoso, mas os Negaciominions, que não sabem nem fazer uma conta de somar, acham que os cientistas estão errados. Eles é que sabem tudo e garantem que aquecimento global é balela.
Amazônia? Todo o mundo preocupado com o desmatamento, várias medições por satélite indicando que as queimadas aumentam todo dia, e os Negaciominions defendem o Ministro do um-décimo de ambiente que diz que os madeireiros é que estão certos, que a boa é cortar todas as árvores da Amazônia para garimpar e criar boi.
Pandemia? O Negaciominion leu um textão, assistiu a umas lives aí, recebeu umas paradas no seu grupinho de Whatsapp e agora se considera expert no assunto e manda na lata: máscara é babaquice! Vacina é perigoso! Cloroquina é a solução!
Os Negaciominions acham que a terra é plana e desmatada. Que a vacina chinesa implanta chips de 5G e a de Oxford transforma as pessoas em jacaré. Que cloroquina cura Covid, unha encravada e disfunção erétil.
Os Negaciominios negam a ciência, mas acham que o seu líder máximo, o Bolsonaro, merecia ganhar o Nobel. O Nobel do negacionismo.