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UM PROJETO SOCIAL

REPÓRTER – Estamos aqui para acompanhar mais um belo projeto social, um esforço de solidariedade que vem sendo desenvolvido aqui pelo seu Nestor. Seu Nestor, explica o que é que vocês estão fazendo aqui, por favor.
SEU NESTOR – Pois é, a gente estava vendo que existia uma quantidade enorme de comprimidos de cloroquina estocados sem uso, já que eles não servem para tratamento de Covid.
REPORTER – Mas eles não servem para quem tem malária?
SEU NESTOR – Sim, mas o governo comprou uma quantidade tão grande desse remédio que mesmo que o Brasil vire um enorme lamaçal não vai ter tanta gente com malária para usar esses comprimidos todos.
REPORTER- É verdade, é muita coisa mesmo. São milhões de comprimidos. E qual foi a ideia de vocês para usar esse estoque todo?
SEU NESTOR – Então, nós criamos esse projeto que tem o objetivo de dar um uso para todos esses comprimidos de cloroquina. A ideia é que artistas amadores usem os comprimidos de cloroquina como matéria prima para fazer artesanato.
REPORTER – Que interessante! Mas vamos ver os produtos que as pessoas estão produzindo aqui. Você pode mostrar pra gente, Seu Nestor?
SEU NESTOR – Claro. Essa aqui é a dona Hermengarda. Ela está colando comprimido a comprimido nesse casaquinho que ela fez e assim vai fazer um casaquinho todo de cloroquina.
REPORTER- Nossa, que bonito!
SEU NESTOR – Esse aqui é o seu Antônio. Ele pintou os comprimidos de diversas cores para poder produzir esse quadro…
REPORTER- Que bela paisagem, seu Antônio! Parabéns!
SEU NESTOR – Tem vários outros trabalhos de arte por aqui, um mais bonito que o outro, todos usando os comprimidos de cloroquina. Tem um senhor criando um mosaico de cloroquina numa parede, uma moça que está fazendo um abajur todo de cloroquina, vários cinzeiros, potes e jarros de cloroquina. Tem muita coisa bonita.
REPORTER – Que espetáculo. E vocês pretendem vender esses produtos?
SEU NESTOR – Sim. Nós vamos realizar uma grande feira, A FECLORO, A Feira de Produtos de Cloroquina, para expor e vender os produtos.
REPORTER – Muito boa ideia! E o dinheiro arrecadado nessa feira, vai ficar com as pessoas que trabalham no projeto?
SEU NESTOR – Uma parte vai ficar com eles, mas a maior parte do dinheiro nós vamos usar para o que importa: comprar vacinas contra Covid!

TIPOS DE LEITURA

Para dar um descanso das notícias da pandemia e das fake-news dos negacionistas, vamos falar de livros.
Ler é sempre bom. É claro que o melhor é ler um livro sentado numa poltrona confortável, mas as vezes não dá, então temos que apelar e ler em outros lugares.
Vão aqui algumas dicas de tipos de leituras que podemos fazer:

Leitura de quarto – Você deve ler no quarto aqueles livros que você não pode ler na frente de qualquer pessoa. Tem certos livros que é melhor ler afastado das crianças com suas perguntas constrangedoras. Outros que é melhor ler longe do cunhado bolsonarista, que vai te perguntar que livro é esse que você está lendo e vai arranjar algum argumento para começar uma discussão interminável sobre Globolixo e outras bolsonarices.

Livros de sala de espera – Não é qualquer livro que se deve ler numa sala de espera de um médico ou dentista. Pega mal ficar lendo livros eróticos, por exemplo. Por outro lado, um cara que lê Guerra e paz, de Tolstoi, ou Ulysses, de James Joyce na sala de espera do dermatologista, merece as espinhas que tem na cara.

Leitura de metrô – Um capítulo por estação, assim não se corre o risco de ter que parar a leitura no meio de um capítulo.

Livros para ler deitado na rede – Livros leves. Não estou falando do enredo, mas do peso do objeto livro mesmo. Não dá para ler um catatau de mil páginas deitado na rede, a não ser que você tenha o braço de um fisiculturista.

Leitura de banheiro- Leitura rápida. Crônicas, pequenos contos, anedotas… Para ler em uma cagada.

Leituras em festas – Se você quiser ler no meio de uma festa, eu aconselho livros de auto-ajuda ou psicanálise. Você está precisando.

Leitura no trabalho – É claro que se você for ler durante o trabalho é melhor ler livros técnicos. Outra opção é ler algum desses livros com “foda-se” no título, como “A sutil arte de ligar o foda-se” ou “Eu podia estar trabalhando, mas foda-se!”

COISAS QUE NÃO SEI FAZER

Outro dia eu saí para dar uma caminhada (de máscara, é claro), quando passou por mim um cara andando de bicicleta sem as mãos. Taí um troço que me deixa puto. Pra que andar sem as mãos se tem um guidão ali pra você segurar? A resposta é óbvia: só pra me sacanear. Só porque isso é uma coisa que eu nunca consegui fazer. Andei de bicicleta pra cacete quando era adolescente, subia e descia ladeira, andava quilômetros todo dia, mas nunca consegui andar sem as mãos, uma frustração de infância.
Aí fiquei pensando em outras coisas que não sei fazer, além de andar de bicicleta sem as mãos.
– Assobiar – Não sei. Tentei a vida toda, pedi para um monte de gente para me ensinar, mas nunca consegui emitir nenhum som. E tenho uma puta inveja daqueles caras que colocam um dedo na boca e dão um apitão que acorda até defunto.
– Surfar – Não sei. Na verdade, nunca tentei, preferi ficar em casa falando mal dos surfistas, dizendo que eram burros , enquanto eles pegavam o mulherio todo.
– Andar de skate –  Nunca subi em cima de um skate,  e nunca senti falta. Por conta disso, não me tornei um daqueles sessentões que no fim de semana vão para a orla andar de skate para tirar onda de garotões.
– Andar de patins – Também não sei. Nem de rodinha nem aquele no gelo. Não sou desses caras que patina no Central Park em Nova Iorque. Sou old school, ainda acho estranho ficar patinando rodopiando  com as mãozinhas pra cima.
– Jogar tênis– Tentei jogar tênis uma vez , cheguei a fazer uma aula , mas o professor ficava jogando a bolinha e eu furava. As que conseguia acertar, eu zunia na vizinhança. Achei um saco, ia demorar demais pra virar o Roger Federer.  Desisti.
– Jogar golfe – Não passei do golfinho que é coisa de criança. Golfe, aquele esporte de milionário eu nunca tentei. Acho o campo de golfe um desperdício de espaço. Quando vejo aquele gramadão, verdão, fico logo pensando em quantos campos de futebol não dava pra fazer naquele lugar.
– Jogar truco – Nem sei nem do que se trata. Só sei que é um jogo de cartas que paulista gosta, que as pessoas ficam gritando frase estranhas quando jogam e que parece que vale roubar. Será que é um jogo para deputados?
– Dar estrela – Cambalhota eu sei dar, ou sabia, nunca mais tentei. Estrela eu nunca soube. Acho maneiro, mas não pretendo mais tentar aprender. Até porque, com o meu peso e a minha idade, eu seria certamente uma estrela cadente.
– Cozinhar – Não aprendi. Só conheço uma receita, a de pizza: pegar um telefone , discar o número de uma pizzaria e pedir a gosto.

ENTREVISTA COM O ZÉ GOTINHA

Repórter- Bom dia , Zé Gotinha. E aí, animado com a vacinação?

Zé Gotinha – E estou super animado com a vacinação, o que está me deixando chateado é que ninguém me chamou ainda pra fazer campanha pela vacinação, pô! Só me chamam pra cerimônias oficiais!

Reporter- Mas você tem aparecido a beça na mídia. Há um tempão a gente não via você tanto.

Zé Gotinha- Você já me viu em alguma propaganda? Não! Já viu alguma campanha do governo para o povo se vacinar? Não! Até agora só me chamaram para posar ao lado de políticos. Pô, eu não votei em ninguém, é sacanagem ficar me usando para fazer campanha política, essa vacina nem é em gotas! Se é pra fazer proselitismo leva uma seringona ! Leva o Zé Seringa para os eventos políticos!

Reporter- Mas você não acha essas cerimônias importantes?

Zé Gotinha – Você já viu as fotos das cerimônias? Quase sempre o único que está de máscara ali sou eu! O ministro da saúde não usa máscara, o presidente não usa máscara… Outro dia o presidente quis até me cumprimentar! Fala sério! E nem álcool gel me dão nas cerimônias, eu tenho que levar o meu!

Repórter – Você tem medo de se contaminar?

Zé Gotinha – Claro! Ainda não ficou provado que os Zé gotinhas podem ou não pegar covid! E se eu pegar ? Quem é que vai acreditar num Zé Gotinha que já pegou covid?

Repórter – Você quer ser vacinado?

Zé Gotinha- Quero! Estão me mandando para um monte de cerimônias de vacinação sem distanciamento, ninguém de máscara, aglomeração para caramba! Isso é muito arriscado. Eu tinha que estar no grupo prioritário de vacinação!

A LÓGICA DA LOGÍSTICA

Um generalista é aquele sujeito que sabe pouco sobre muitos assuntos. O especialista é o que sabe muito sobre um assunto. Apesar do nome, nem todo general é um generalista. O ministro Eduardo Pesadello, por exemplo, é general e se diz especialista em logística. Até agora provou que a sua única especialidade é ser especialista em se dizer especialista em logística. Pesadello parece mais ser um generalista, mas um generalista diferente, ele não sabe nada sobre quase tudo.
Logística é uma palavra que parece com loja. Talvez o nosso ministro seja um especialista em lojística, com j, e acha que comprar uma vacina é muito fácil, é só entrar numa loja e escolher a vacina que quer comprar.
O problema é que a única loja de vacina que está aberta fica na China.
Logística é uma palavra que tem a ver com lógica.
Longe também é uma palavra que parece com lógica.
A China é um país que fica muito longe do Brasil, então pela lógica de nosso presidente e de seu ministro do exterior, eles podem falar mal da China, porque a China é longe e é lógico que os chineses não vão ficar sabendo. No entanto, a China é longe, mas entende mais de lógica que o nosso presidente. E, pela lógica da China, não faz muito sentido que ela seja a maior compradora de produtos brasileiros e seja sacaneada pelo presidente do Brasil e seus asseclas. E a China sabe que a logística da vacina no Brasil depende dela. Então, pela lógica, a China resolveu fechar a sua loja e não mandar os insumos da vacina para o Brasil.
E então o nosso general especialista em lojística vai na loja de vacinas e bate de cara na porta fechada. E é lógico que o Brasil fica sem vacinas.

DIA D, HORA H – A REVOLTA DAS LETRAS

Então, sem saber o que dizer, o ministro da Saúde Eduardo Pesadello falou que a vacinação iniciaria no dia D, na hora H.
O X logo reclamou. Se era para a data ser uma incógnita, esse papel deveria ser dele, que sempre foi a letra das incógnitas, é só perguntar aos matemáticos. Portanto, a vacinação deveria ser no dia X!
O Y ficou chateado. Afinal, o Y também era uma incógnita famosa, sempre fez dupla com o X. Então foi feito um acordo e decidiu-se que a vacinação seria no dia X, na hora Y.
O ponto G apareceu para dizer que a população estava muito excitada com a divulgação da data de vacinação, portanto cabia a ele, que sempre causara muito excitação, essa função. A vacinação deveria ser no ponto G.
O A ficou muito irritado! Ele sempre iniciou tudo, inclusive o alfabeto! Se era para iniciar, tinha que ser no dia A!
Aí o 1 ficou puto! E por que usar letras e não números? Letras foram feitas para palavras, contagens merecem números. Toda contagem começa no 1, pô! A vacinação deveria começar no dia 1, na hora 1!
Aí o alfabeto todo enlouqueceu! Foi um tal de mandar pra PQP, dizer que aquela discussão era uma M, mandaram até tomar no C…
Então a discussão acabou quando chegou o ponto de interrogação e convenceu a todos que o lugar era dele: A vacinação começaria no dia ? , na hora ?

PREVISÕES PARA 2021 QUE TODO MUNDO JÁ SABE

Ano começando e um monte de videntes, astrólogos e economistas estão fazendo as suas previsões para 2021. Eu também tenho as minhas, mas são profecias que todo mundo já sabe que vão acontecer. Vamos lá:

Os brasileiros serão vacinados contra a Covid. Não se sabe quando, nem com qual vacina, mas já se sabe que uns dias vai faltar vacina, em outros vai faltar seringa, em outros vai faltar agulha…

Todas as semanas o Bolsonaro vai falar alguma boçalidade. E depois vai dizer que a imprensa tirou as palavras dele do contexto.

O Bolsonaro e o Dória vão chamar um ao outro para a porrada, mas o embate não vai acontecer por falta de datas.

Vários ministros vão cair, sem nem dar tempo de a gente ter decorado o nome deles.

Todas as semanas um time brasileiro trocará de técnico.

Os campeonatos regionais serão chatíssimos e uma campanha para eles acabarem fracassará mais uma vez.

Neymar vai fazer uma presepada. E depois uma merda. E depois uma estripulia…

Influenciadores digitais que eu nunca ouvi falar vão fazer alguma coisa bem idiota. E então eu vou ouvir seus nomes pela primeira vez.

O Facebook vai saber ainda mais sobre você do que já sabia.

O Google vai saber coisas de você que nem mesmo você sabia.

Tretas fundamentais e superimportantes vão acontecer no Twitter por duas horas e depois serão esquecidas para sempre.

Moças desinibidas farão dancinhas no TikTok.

Pessoas vão continuar a fazer textões no Facebook, dando suas opiniões baseadas apenas no que elas acham. E o que elas acham é que são elas que tem a resposta para tudo que está acontecendo.

Quanto a mim, já posso prever algumas coisas:

Vou continuar sofrendo com o meu time, o Fluminense. Certamente vou ficar muito irritado com o time e vou jurar que não verei mais nenhum jogo. Mas na semana seguinte lá estarei eu diante da TV, xingando, gritando e prometendo não ver mais jogos do Flu de novo.

No caso dos textões, se eles forem de amigos meus, eu vou curtir. Mas só depois de ler apenas o primeiro parágrafo para saber pelo menos do que se trata. Vai que a pessoa comenta algo comigo.