Quando eu tinha 18 anos entrei pra faculdade. Adorei aquele ambiente acadêmico e naquele tempo, 1978, em plena ditadura militar, tive contato com o movimento estudantil. Entrei pro Centro Acadêmico, comecei a participar da luta contra a ditadura , mas no final do ano fui obrigado a me alistar no exército. Não queria servir de jeito nenhum, ainda mais sendo de esquerda, não podia entrar justamente para o exército. Mas sabe quando você vai dando todos os passos errados? Podia ter arrumado um atestado médico falso, muita gente tentava isso. “Se eles desconfiarem que é falso pode ser pior”, me disseram. Passei no exame médico. Podia ter me alistado normalmente, mas seguindo conselhos vindos nem sei de onde, me alistei no CPOR. “Lá é mais fácil de sair”, disseram. Mas justamente naquele ano os caras resolveram “aumentar o nível da tropa” no CPOR e pegar gente que estava na faculdade. E ali estava eu, o público alvo ideal. Fui passando por todas as fases sem conseguir me livrar , até que na última, eu arrumei finalmente um pistolão. Era um capitão do CPOR. Então na última etapa da seleção, quando eu já estava lá no CPOR esperando há horas para saber se ia ou não servir o exército, o meu pistolão, o tal capitão, mandou me chamar. Eu fui lá , crente que o cara ia me liberar , mas ele falou:
– Olha, eu tenho duas pessoas pra tirar daqui. Você e mais um. Mas eu só vou conseguir livrar um. O problema é que o outro é meu sobrinho.
E assim eu dancei.
De repente , eu, o jovem que havia entrado na universidade, conhecido e se encantado com o movimento estudantil, o cara que acabara de conhecer o mundo dos partidos de esquerda na faculdade, que vinha flertando com o partido comunista, esse jovem esquerdista e cheio de ideias, vestiu um uniforme verde-oliva e foi aprender a virar um soldado da pátria em plena ditadura militar. Ralei bastante no início, e aguentei calado vários oficiais fazendo discursos anticomunistas, achando sempre que estavam falando comigo. Conheci um outro recruta parecido comigo. Também era de esquerda e ligado a movimentos estudantis. Ele me mostrou o que fazia pra marcar sua posição naquela situação: andava sempre no bolso com um chaveirinho do Solidariedade , movimento esquerdista polonês que fazia sucesso nas esquerdas na época. Eu não andava com nenhum chaveiro comunista no bolso, mas de vez em quando tomava coragem e diante de um discurso direitista qualquer sussurrava pra algum recruta amigo que estava ao meu lado “abaixo a ditadura!”. Nunca ninguém falou nada, provavelmente porque eu falava tão baixinho que ninguém entendia.
Até que chegou o sete de setembro. E eu descobri que nós íamos marchar no desfile militar. Eu, um militante de esquerda que lutava contra a ditadura, desfilando para enaltecer o governo militar? Fiquei mal, morri de vergonha. Não contei pra nenhum amigo meu, principalmente a galera do movimento estudantil. Eles não podiam saber. Mas pros meus pais eu não tive como esconder. Minha mãe se animou e foi assistir ao desfile na Avenida Presidente Vargas. Depois do desfile eu perguntei pra ela:
– Você me viu?
– Era todo mundo igualzinho, mas eu consegui te ver.
– E aí , o que achou?
– Você estava lindo, meu filho. E era o único que estava marchando no passo certo!
QUANDO EU DESFILEI NO 7 DE SETEMBRO

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